A linguagem
Ouve-se várias vezes a expressão, vivemos todos num T0, subentende-se que todos que habitamos a Terra, somos diferentes, raça, sexo, idade, condição física etc. e onde a diversidade humana é valorizada.
Também é frequente ouvir a expressão: “há ainda muito preconceito neste Mundo, mas graça a Deus eu aceito toda a gente… cada um é como cada qual “
Ao ouvir estas expressões penso estar em ambiente seguro com pessoas com uma mente aberta, respeitando a individualidade de cada um. Podendo assim, relaxar, quando estou com essas pessoas.
Contudo o destino é tramado, conto uma história recente com uma dessas pessoas, que me convidou para um café numa esplanada.
Ao olhamos para a frente, passa uma pessoa a deslocar-se em cadeira de rodas, com alguns movimentos involuntários, acompanhada com um homem e iam a conversar.
Qual o meu espanto, a pessoa que estava comigo, fez o seguinte comentário:
– Coitada, essas pessoas não devem ter uma vida nada fácil, elas devem ter dificuldade em arranjar emprego. Mas olha quem vai com ela demonstra um carinho especial por ela.
Respondi
– O que é que te leva a pensar que ela tem uma vida difícil? E, já agora ainda tens uma loja, podias ir lá abordá-la para ela ir trabalhar contigo…
O ambiente ficou tenso e desconfortável para ambas as partes.
Este cenário não é tão invulgar como se pudesse pensar numa Sociedade de informação do Séc. XXI.
As expressões ditas transportam uma carga emocional tão pesada e uma falta de consciência dos efeitos que as mesmas tem no outro, podendo trazer mágoa e um sentir de se Ser diferente.
A divisão do tal Mundo que era um T0, passou a ser vários T0’S, começando logo por o mais evidente, que é “Nós e Eles”, como se tivéssemos divididos em “gavetas” Nós (os perfeitos) e Eles (os que precisam de ajuda) uma visão de cima para baixo.
Em segundo lugar, está-se a julgar e a subestimar os níveis de felicidade de uma pessoa, que apenas o que difere é a forma como se desloca, considerando a um ser infeliz.
Quanto ao ato de carinho que a pessoa que acompanha fazia transparecer junto da pessoa com deficiência, apenas se observou duas pessoas a conversar, aqui também se denota outro tipo de preconceito, o se associar a palavra” carinho” com uma carga paternalista, raramente se pensa que pode ser outro tipo de relação, amorosa, profissional, amizade etc.
Realço também o efeito da linguagem, quando se verbaliza a opinião sobre a dificuldade em arranjar emprego, partindo do princípio que a pessoa não trabalha, apenas passeia…
O perigo em se afirmar que “é SÓ uma questão de linguagem, não há qualquer intenção nas palavras de forma pejorativa”. Deixa-me arrepiada.
Demonstra-se uma inconsciência das palavras\linguagem, transpondo na sua essência uma carga preconceituosa camuflada de boa intenção e de humanidade.
É preciso NÃO esquecer que o “outro” (pessoa com deficiência) ao ser exposto a este tipo de comentários, pode sentir pressionado a estar “DENTRO DA CAIXA” e caso não consiga, corre o risco de comportamentos menos saudáveis, refugiando-se na alimentação, adições, isolamento social etc.
Outras expressões acutilantes:
– É diferente; aleijada; Paralítica; Portador de deficiência; Deficiente.
Tudo o que se ouve e tudo o que se diz, NÃO É POR MAL, apenas expressões de linguagem que ferem corações.