As ironias do confinamento

Como Mulher com Paralisia Cerebral, que por ter uma característica física que me impede de aceder a espaços públicos com escadas, fez com que ao longo da minha história ficasse várias vezes confinada em casa, sem ter a oportunidade de usufruir desses espaços bem como poder participar de uma forma igualitária nas atividades que lá se passavam.

As atividades que escrevo prendem-se não só com o lazer, mas também na minha formação, que desde muito cedo os meus pais escolhiam a escola consoante os horários para ser compatível com os horários deles, pois, o transporte escolar não tinha acesso para alunos que se deslocavam em cadeira de rodas e também tinham atenção às acessibilidades do espaço escolar, geralmente muito escassas.

As escolhas estavam SEMPRE condicionadas com fatores externos aos meus desejos e sonhos que tinha para a minha vida, deixando muitas vezes o sonho para trás, a vida era para a frente.

Quando vinham as férias grandes escolares, o confinamento dos três meses era duro e invisível à Sociedade, os meus colegas iam para a praia, discotecas, bares e eu ficava agarrada à fantasia das novelas e a sonhar com os amores-perfeitos que existiam com os meus atores preferidos.

Ansiava com o regresso às aulas para ter contacto social, e… ter uma vida semi-normal, que se resumia a ter aulas teóricas, porque nas práticas estava dispensada pois os conteúdos não eram desenhados para alunos com necessidades especiais.

Esta história durou até tirar a carta e ter uma autonomia maior que permitia dar boleia a colegas e participar mais nas suas interações e ter mais contacto físico que até aí não existia muito pois os espaços de recreio por vezes não eram acessíveis totalmente.

ANO 2020

O Mundo entra em confinamento e… começo a ver notícias e ouvir relatos de jovens que estão deprimidos porque não podem estar com os amigos e sentem a falta dos abraços e os psicólogos e psiquiatras vêm a público a falar sobre a importância das relações sociais para o desenvolvimento psicomotor dos jovens. Isso terá consequências para a saúde mental. Vi também os pais a ficarem naturalmente preocupados com a saúde mental dos seus filhos, procurando e oferecendo alternativas para que essa solidão fosse diminuta nas suas vidas.

Eu e outros da mesma idade ou de outras idades, ficamos e estamos um pouco perplexos, pois sentimos que nunca houve o mesmo mediatismo sobre as consequências psicológicas e sociais que advém do confinamento compulsivo sem que haja um motivo sanitário para ocorrer, apenas por razões de acessibilidades e capacitação dos responsáveis de algumas organizações em aceitar pessoas com Paralisia Cerebral.

Os próprios pais por desconhecimento e amor aos filhos, aprovam os vários confinamentos que vão tendo ao longo da vida, não tendo consciência das repercussões sociais e psicossociais que isso implicará no futuro. 

Para as pessoas com Paralisia Cerebral é irónico ver o Mundo a falar das mesmas necessidades (abraços, beijos, borgas, convívio) que nós dizemos que sentimos E… o problema é do vosso “grupo”, afinal o problema passou a ser igual para todos.